Recebemos em comunicado de imprensa na noite de ontem, subscrito pelo presidente da Direcção da A. F. Horta, Eduardo Humberto Silveira Pereira, o seguinte comunicado, que transcrevemos na integra.
COMUNICADO DAS ASSOCIAÇÕES DISTRITAIS, REGIONAIS – ANGRA DO HEROISMO, BRAGA, BRAGANÇA,CASTELO BRANCO, COIMBRA,GUARDA, HORTA, LEIRIA, PORTO, VIANA DO CASTELO E ANEDAF. EVORA E PORTALEGRE JUSTIFICARAM A SUA AUSÊNCIA.
As Associações de Futebol que, no dia 29 de Janeiro de 2011, não votaram a adaptação dos Estatutos da FPF ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), e impediram a formação da maioria qualificada estatutariamente imposta, reuniram-se, em encontro informal, no dia 4 de Fevereiro, em Coimbra, a fim de tentarem uma solução equitativa para o impasse em que se caiu no ordenamento jurídico desportivo.
Nesse encontro, as Associações apreciaram uma notícia inserta no Diário de Notícias de 2 e 3 de Fevereiro, com o título “[e]statutos das 59 federações já estão no Ministério Público”, no qual se dava conta que o Ministério Público do Tribunal Cível de Lisboa iria intentar uma acção cível “com intuito de obrigar a alterar os estatutos”. Como compete às Associações de Futebol defender os seus direitos, à míngua de defesa por parte das autoridades públicas competentes, -bem como da FPF que tinha o direito e o dever de o fazer e, não o fez, por motivos inconfessáveis, o que é de lamentar,- vimos dar
um esclarecimento à opinião pública, para que não se pense que somos Associações à margem da legalidade constitucional do País.
Não compete ao Ministério Público defender os interesses colectivos e difusos em todos os casos em que pense haver violação das leis, mas, apenas, “defender os interesses que a lei determinar” e “nos casos previstos na lei” (artigo 219º, nº 1, da Constituição da República e artigo 3º, nº 1, al. e), do Estatuto do Ministério Público).
Se A FPF for uma associação privada – ou “pessoa colectiva de direito privado”, como diz o artigo 1º dos Estatutos da FPF – então o MºPº nada pode fazer agora, precisamente pelo facto de já em 1998 – ano da aprovação dos Estatutos da FPF – ter recebido, do notário que lavrou a escritura pública, a comunicação dos Estatutos, bem como as alterações posteriores destes, nos termos do artigo 168º do Código Civil, redacção anterior à Lei nº 40/2007, de 24 de Agosto, e não ter promovido a declaração judicial de nulidade nos termos do artigo 158º-A do Código Civil. Se os Estatutos eram nulos por violação da lei, então o MºPº que tivesse proposto a acção nessa altura. O controlo sistemático da legalidade dos estatutos pelo MºPº acabou, como se diz no Parecer nº 39/2009, da Procuradoria Geral da República.
Invocar a “nulidade superveniente” dos Estatutos, só porque não estão de acordo com o RJFD, é fraude à lei, pois o Direito Civil não conhece a figura da “nulidade superveniente”. A nulidade afere-se pela lei que estiver em vigor no momento em que os Estatutos são aprovados ou alterados, e não por uma lei posterior de eficácia retroactiva. Estatutos nulos são aqueles que o são “ab initio” e não venientemente: “pas de nullités sans texte”.
Qualquer lei que venha, supervenientemente, a tornar nulos estatutos privados que o não eram, ofende o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito. Só os contratos “celebrados” e os estatutos “aprovados” contra disposição legal de carácter imperativo, vigente nesse momento, são nulos (artigos 294º e 295º do Código Civil).
O Direito Civil não permite uma acção para declaração de ilegalidade por omissão de estatutos nem por omissão de normas para executar actos legislativos carentes de regulamentação. Isso são regras de contencioso administrativo e não de jurisdição civil. Se a FPF for uma associação pública, então o MºPº não tem competência para propor uma acção administrativa especial para declaração de ilegalidade por omissão, precisamente pelo facto de a omissão que dá causa a esse tipo de acção ser de normas para executar actos legislativos “carentes de regulamentação”, nos termos do artigo 77º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Ora, os Estatutos da FPF não são um “regulamento” emanado do poder normativo público, mas fruto da autonomia da vontade dos sócios da FPF. Por outro lado, não estamos em face dos valores indicados no artigo 9º do CPTA, para defesa dos quais o MºPº tem legitimidade activa. Logo, o MºPº carece de legitimidade para propor a acção que pretende intentar. O que o MºPº tem competência é para fiscalizar a constitucionalidade do Regime Jurídico das Federações Desportivas, o qual transformou, sub-repticiamente, essas federações em
associações públicas. Nos termos da lei, o Procurador-Geral da República pode e deve pedir ao
Tribunal Constitucional a verificação de inconstitucionalidade do RJFD. Não basta dizer-se que o MºPº é o “defensor da legalidade” para lhe dar poderes para fazer tudo e controlar a legalidade de todos os actos e estatutos, públicos ou privados. Fica-se com a impressão de que o acórdão do Tribunal Arbitral da FPF, de 31 de Janeiro, “descobriu a pólvora” do Direito Desportivo. Puro engano, pois esse acórdão é nulo pelo facto de o Tribunal Arbitral ter sido “irregularmente constituído”, nos termos do artigo 27º, nº 1, al. b), da Lei da Arbitragem Voluntária – um dos árbitros não foi escolhido pela parte demandada e o árbitro presidente não foi legalmente cooptado. Daí a decisão por “santa unanimidade” - “nemine discrepante” ! Sempre temos dito que o RJFD é inconstitucional, no seu todo, por violar os seguintes artigos da Constituição da República Portuguesa:
- Transformou as federações em associações públicas e só a Assembleia da República pode fazer leis sobre associações públicas – artigo 165º, nº 1, al. s);
- Obrigou as federações a basearem-se, em termos da sua organização interna na “formação democrática dos seus órgãos”, o que só é exigível para as associações públicas – artigo 267º, nº 4;
- Tratou as federações desportivas como associações públicas, quando elas são coisa muito diferente - são associações privadas. Assim, violou o artigo 13º (princípio da igualdade – o igual como igual e o desigual como desigual);
- Violentou a liberdade de associação e interferiu com a “autonomia estatutária” das federações – artigo 46º, nº 2, e acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 38/84 e 328/92;
- Regulamentou as federações como entidades com poderes públicos, e o Estado só pode fiscalizar essas entidades e nunca regulamentá-las – artigo 267º, nº 6;
- Regulamentou até ao pormenor a vida interna das federações, privando-as do direito de auto-organização e autogestão, quando só podia e pode colaborar com elas – 79º, nº 2;
- Fez, com o RJFD, uns verdadeiros estatutos da FPF, quando essa competência cabe à Assembleia Geral da FPF – Artigo 46º, nº 2;
- Aplicou retroactivamente o novo regime para invalidar estatutos legais ao tempo da sua aprovação, pelo que restringiu a liberdade de associação da FPF com efeito retroactivo, em violação do artigo 18º, nº 3;
- Afastou a aplicabilidade directa da norma que consagra a liberdade de associação, quando essa norma vincula “as entidades públicas e privadas”, nestas se incluindo a FPF – artigo 18º, nº 1;
- Restringiu a liberdade de associação da FPF, quando só são admissíveis restrições a essa liberdade previstas na Constituição – artigo 18º, nº 2, da CRP;
- Violou o princípio da proporcionalidade na ingerência na FPF – artigo 18º, nº 2;
- Diminuiu o conteúdo essencial da liberdade de associação – artigo 18º, nº 3;
- Violentou o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito – artigo 2º. O prazo para adaptação dos Estatutos não é uma “obrigação de resultado”, mas uma “obrigação de comportamento”. É um prazo ordenador e não um prazo fatal.
Em face de semelhante lei, clamorosamente injusta, resta às Associações de Futebol signatárias resistirem-lhe pelos meios legais, um dos quais é de só aprovarem uns Estatutos que não sejam violentadores da LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. Como diz a canção, “há sempre alguém que resiste … há sempre alguém que diz NÃO !”.
Estas Associações reiteram a sua total disponibilidade para colaborar na construção de uma solução estatutária em conformidade com a Constituição da República Portuguesa e a legislação desportiva internacional aplicável, nomeadamente os Estatutos e o Código Eleitoral da FIFA, em defesa dois superiores interesses do FUTEBOL PORTUGUÊS.
VIVA A LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO !!!
Coimbra, 4 de Fevereiro de 2011.